Se você está por dentro dos lançamentos do universo da beleza, já percebeu que alguns produtos estão um pouco parecidos, não?
Os lançamentos de produtos para os lábios não são novidade há muito tempo — todo mês surge um novo lip oil, lip gloss ou lip balm. Todos com embalagens fofas, minimalistas, e mais: um marketing fortemente ligado à comida. Mas, por que isso está acontecendo?
O caso Rhode e a estética “comestível”
A marca Rhode, da Hailey Bieber, é um ótimo exemplo. O Peptide Lip Tint tem embalagem minimalista, e seus tons possuem nomes de comidas, como Raspberry Jelly, Espresso e PB (manteiga de amendoim). A proposta? Lábios hidratados e brilhantes, com uma fórmula que inclui manteiga de karité, manteiga de cupuaçu, óleo de jojoba e outros ativos emolientes.
Mas não é só a Rhode. A tipografia, os tons, o conceito minimalista e, claro, a relação direta com alimentos aparecem em diversas outras marcas.
Outras marcas que também apostam na estética da comida
Creamy x The Coffee — Parceria entre skincare e cafeteria, lip balms inspirados nas bebidas.
Beleza Brasileira — A manteiga hidratante corporal e o iogurte hidratante corporal remetem à textura dos produtos.
L’Occitane — O famoso óleo de amêndoas já vinha nessa proposta, mas eles foram além com um press kit em formato de croissant de amêndoas (uma referência direta à França, país de origem da marca).
Carmed x Fini — Balms inspirados nas balas, com cheiros e embalagens divertidas.
People Colour e Simple Organic + Malu Borges — Os nomes das cores são de comidas, como Fresh Juice e Berry Muffin. E o gloss Toasty Glow? Tem cheiro de cookie de chocolate!
LipHoney by Franciny Ehlke — gloss brilhante como mel e o cheiro de mel, claro!
Um exemplo que viralizou foi o da marca brasileira Mame Cosmetics. O lançamento do Lip Butter veio acompanhado de um press kit que incluía um bolo no formato (e na aparência) de uma barra de manteiga. As cores também seguem a lógica gastronômica, Vanilla Ice Cream, Confetti Cake, Maple Syrup e Red Velvet.
A associação faz todo o sentido: o nome butter remete tanto à textura do produto quanto à estética do bolo, enquanto o cheiro doce e a ideia do sabor criam uma experiência sensorial completa.
“Sinta a textura que derrete como manteiga, deslizando suavemente nos lábios e deixando um toque delicado de cor e brilho. Com ingredientes de cuidados com a pele, deixa os lábios hidratados e com aquela sensação de maciez amanteigada.” — descrição do produto no site da Mame Cosmetics.
Por que tanto marketing com comida?
Porque funciona. A comida ativa nossos sentidos: cheiro, textura, sabor. Ela provoca prazer imediato e gera identificação afetiva. Quando aplicada ao marketing, desperta memórias, desejos e até nostalgia.
Além disso, o apelo visual é enorme. É fácil viralizar com um post de uma mesa de brunch, um piquenique ou um press kit que parece sobremesa. Quantas vezes você já viu uma foto linda de comida e só depois percebeu que era uma campanha de maquiagem? Comigo, várias.
Esse tipo de conteúdo une tendências como ASMR, mukbang e estética sensorial, entregando mais do que um produto: entrega uma experiência que atravessa vários sentidos, não só a visão.
Essa tendência não é tão nova assim...
Na verdade, ela tem raízes lá nos anos 2000, quando os glosses roll-on de frutinha e os batons em formato de morango faziam o maior sucesso. A diferença é que hoje a estética é mais sofisticada, minimalista e pensada para viralizar nas redes.
Afinal, por que os produtos parecem todos iguais?
Porque o desejo é industrializado. As marcas observam o que viraliza e o que o público quer. Além disso, muitas trabalham com fábricas terceirizadas, o que explica porque tantos produtos têm o mesmo molde, embalagem ou fórmula.
Se já sabem que um determinado formato vende, por que arriscar? Elas repetem — com leves mudanças no branding — e o mercado segue funcionando assim.
Mesmo com certa saturação, o público continua comprando. Existe um desejo de pertencimento: ter um lip oil parecido com o da Hailey, mas numa versão nacional, mais acessível.
“Na sociedade de consumo, as pessoas se tornam simultaneamente caçadores e presas. Os produtos deixam de ser apenas objetos de uso e passam a ser veículos de construção da identidade, distinção e pertencimento.”
— Zygmunt Bauman, Vida para Consumo
Quem é esse público?
Jovens — majoritariamente mulheres — de 14 a 30 anos, muito conectadas nas redes sociais. Valorizam estética, lifestyle, autocuidado e buscam marcas que conversem com seus valores, como cruelty-free, veganas, ou de produção consciente.
Por que vende tanto?
Porque ativa vários gatilhos:
Visual: brilho, transparência, cor e textura.
Sensorial: cheiro de mel, chocolate, baunilha, café.
Pertencimento: “se todo mundo tem, eu também quero”.
Autoafirmação estética: “sou alguém que se cuida, que tem bom gosto e estética apurada”.
O feed virou uma vitrine de lifestyle. Consumir se mistura com performar autocuidado, beleza e bem-estar — mesmo que, na prática, muitas vezes, seja só para o feed.
No Brasil, o mercado de cuidados labiais faturou cerca de US$ 77,9 milhões em 2024, com previsão de atingir US$ 109 milhões até 2030, com um crescimento médio de 5,8% ao ano.
“Consumimos não objetos, mas os significados que eles carregam. O consumo é hoje um sistema de signos, em que os objetos funcionam como elementos de diferenciação social.”
— Jean Baudrillard, A Sociedade de Consumo
A beleza está virando comida?
Mais do que maquiagem, estamos comprando uma estética sensorial. Uma experiência que ativa desejo, conforto e pertencimento.
Mas no fim das contas, fica a pergunta:
Você quer mesmo um lip oil... ou quer o gostinho de fazer parte?
Mt bomm!! <33